“O Brutalista”, a monumental obra cinematográfica realizada por Brady Corbet, distingue-se pela sua estética, narrativa e propostas visuais audaciosas. Uma produção da A24 que voltou a conquistar os Óscares e a colocar esta produtora no topo: um filme arriscado, original desde os seus títulos de crédito e cheio de força na sua temática e estética.
Protagonizado por um Adrien Brody em estado de graça, o filme narra a complexa odisseia de László Tóth, um arquiteto húngaro-judeu que sobrevive ao Holocausto para enfrentar as luzes e sombras do sonho americano no pós-guerra. Com uma duração superior a três horas e meia e uma narrativa que abrange décadas, esta produção épica cativou a crítica desde a sua estreia no Festival de Veneza, onde Corbet conquistou o Leão de Prata de Melhor Realizador, e culminou o seu percurso triunfal arrecadando prestigiados galardões, incluindo múltiplos Globos de Ouro, prémios BAFTA e três Óscares, entre os quais o de Melhor Ator para Brody. O seu estilo visual singular, marcado pelo uso do formato VistaVision, e a profundidade dos seus temas – a experiência imigrante, a relação entre arte e mecenato, o peso do trauma – consolidam-na como uma peça essencial do cinema contemporâneo.
Uma Viagem Épica Após a Guerra: Sinopse
A trama de “O Brutalista” segue László Tóth (Adrien Brody), um arquiteto visionário de origem húngara e judaica, formado na Bauhaus e sobrevivente do campo de concentração de Buchenwald. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1947, emigra para os Estados Unidos procurando reconstruir a sua vida, o seu legado profissional e reunir-se com a sua esposa Erzsébet (Felicity Jones), jornalista e também sobrevivente do Holocausto (Dachau), e a sua sobrinha órfã, Zsófia (Raffey Cassidy), que inicialmente permanecem retidas na Europa.
A sua chegada a Filadélfia é marcada pela luta e dificuldade. Enfrenta as pressões de assimilação por parte do seu primo Attila (Alessandro Nivola), sofre fracassos iniciais que o levam à precariedade e até à adição à heroína. No entanto, o seu destino muda drasticamente quando o enigmático e abastado industrial Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce) reconhece o seu talento extraordinário e lhe encomenda um projeto monumental: a criação do Instituto Van Buren, um ambicioso centro comunitário. Como o filme ominosamente adverte, “acumular poder e forjar um legado tem o seu preço”.
As Personagens
László Tóth (Adrien Brody): O protagonista é um cadinho de genialidade, trauma, ambição e defeitos. A própria herança húngara e judaica de Brody acrescenta uma camada adicional de autenticidade a uma interpretação que foi universalmente aclamada e premiada.
Erzsébet Tóth (Felicity Jones): A esposa de László não é uma figura passiva. Como jornalista e sobrevivente, possui uma perceção aguçada e atua como bússola moral, mostrando desde o princípio a sua desconfiança em relação a Van Buren. A sua própria trajetória e perspetiva são fundamentais para a narrativa.
Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce): O mecenas milionário é uma figura fascinante e ambígua. A relação que estabelece com László é o eixo em torno do qual pivota grande parte do drama, oscilando entre a mentoria, a exploração e uma tensão subjacente que alguns intérpretes sugerem poder ter conotações românticas. A atuação de Pearce também lhe valeu importantes nomeações.
Elenco Secundário: Figuras como Harry Lee Van Buren (Joe Alwyn), o presunçoso filho de Harrison; Zsófia (Raffey Cassidy), a sobrinha muda devido ao trauma; Gordon (Isaach De Bankolé), amigo e companheiro de dificuldades de László; Attila (Alessandro Nivola), o primo assimilado; e Maggie Van Buren (Stacy Martin), entre outros, completam um painel humano rico e complexo.
Sob a ambiciosa realização de Brady Corbet, “O Brutalista” define-se como um drama épico de época, cuja narrativa se estende ao longo de várias décadas, de 1947 até aos anos 80. A sua considerável duração, cifrada em 3 horas e 36 minutos (215-216 minutos), frequentemente apresentada com um intervalo de 15 minutos nas projeções cinematográficas, sublinha a sua escala monumental.

A Construção de um Monumento: Produção e Estilo Visual
O caminho para levar “O Brutalista” ao ecrã foi tão árduo e prolongado quanto a própria história que narra. O projeto abrangeu sete anos desde a sua conceção e escrita até à sua estreia. Os planos iniciais contemplavam rodar na Polónia em 2021, mas uma série de obstáculos, incluindo a pandemia de COVID-19, problemas de financiamento e circunstâncias pessoais do elenco como a gravidez de Felicity Jones, provocaram múltiplos atrasos e alterações no elenco original. A determinação “implacável” de Corbet, como ele próprio a descreve, foi chave para superar estas adversidades.
É especialmente notável a realização de um filme desta magnitude – com a sua ambição épica, detalhes de época, temas complexos e a escolha do invulgar formato VistaVision – com um orçamento líquido notavelmente baixo, estimado em menos de 10 milhões de dólares.
A rodagem principal finalmente começou a 16 de março de 2023 em Budapeste, Hungria. A escolha da Hungria deveu-se a uma combinação de fatores práticos (créditos fiscais, laboratórios cinematográficos) e à familiaridade prévia de Corbet com o país. Budapeste e arredores serviram para recriar a Filadélfia e a Pensilvânia rural dos anos 50. A produção também se deslocou a Carrara, Itália, para filmar nas icónicas pedreiras de mármore, uma decisão que Corbet defendeu perante os financiadores pela sua importância temática, ligada à ideia de posse e ao alcance do capitalismo mesmo sobre os materiais naturais. A rodagem concluiu a 5 de maio de 2023, dando lugar a uma extensa fase de pós-produção de quase vinte meses. Durante este período surgiu uma controvérsia menor sobre o uso de inteligência artificial, posteriormente esclarecida como o uso da tecnologia Respeecher para refinar a precisão de certos sotaques no diálogo.
Uma das decisões mais definidoras e audazes da produção foi rodar grande parte do filme em VistaVision, um formato de 35mm de alta resolução que utiliza 8 perfurações por fotograma e desloca a película horizontalmente. O diretor de fotografia Lol Crawley e Corbet optaram por este formato, em desuso desde os anos 60, por várias razões interligadas. Procuravam uma qualidade “de arquivo”, uma sensação do passado que evocasse a época retratada (décadas de 1950 a 1980). Além disso, o amplo campo de visão do VistaVision permitia capturar a grandiosidade da arquitetura brutalista minimizando a distorção ótica habitual em lentes angulares de formatos mais pequenos. Era também uma homenagem ao cinema dos anos 50, incluindo melodramas e influências hitchcockianas, e estava pensado para uma experiência imersiva em projeções de 70mm.
No entanto, a aposta no VistaVision implicou enormes desafios técnicos e logísticos. Restam muito poucas câmaras funcionais no mundo, são extremamente pesadas e volumosas, e requerem técnicos especializados. A pós-produção foi igualmente complexa, exigindo digitalizações a 6K e gerando uma quantidade gigantesca de dados (700TB). Corbet chegou a sacrificar dias de rodagem para poder permitir-se este formato. Esta insistência numa tecnologia obsoleta e difícil de manusear, apesar das restrições orçamentais, demonstra uma profunda coerência artística. Não foi um capricho nostálgico, mas sim uma escolha fundamental ligada aos temas do filme (autenticidade de época, escala arquitetónica) e à experiência cinematográfica desejada (projeção em 70mm).
É de notar que também foram utilizados outros formatos como 35mm padrão, 16mm para certas texturas, Betacam digital para o epílogo e uma toma isolada com câmara Alexa. As influências visuais citadas incluem a fotografia de Saul Leiter e a pintura de Andrew Wyeth e Edward Hopper.
O design de produção de Judy Becker foi crucial para recriar o mundo do filme, construindo maquetas e cenários na Hungria. O guarda-roupa de Kate Forbes e a premiada banda sonora de Daniel Blumberg complementaram a visão estética, juntamente com a montagem de Dávid Jancsó.
O filme foi uma coprodução entre os Estados Unidos, Reino Unido e Hungria, com a participação de produtoras como Brookstreet Pictures, Kaplan Morrison, Andrew Lauren Productions e Intake Films. A distribuição ficou a cargo da A24 nos Estados Unidos e da Universal Pictures / Focus Features a nível internacional.
Do Festival de Veneza aos Óscares: Receção Crítica e Prémios
A estreia mundial de “O Brutalista” ocorreu na competição oficial do 81º Festival Internacional de Cinema de Veneza a 1 de setembro de 2024. O filme gerou um impacto imediato, recebendo uma ovação de pé (relatada como tendo durado até 12 minutos) e conquistando o prestigiado Leão de Prata para Melhor Realização para Brady Corbet. Também foi projetado noutros certames como a SEMINCI de Valladolid.
A temporada de prémios confirmou o estatuto de “O Brutalista” como um peso pesado. O seu percurso foi impressionante:
Prémios Óscares (97ª edição): Conseguiu 10 nomeações, empatando como o segundo filme mais nomeado do ano. Ganhou 3 prémios: Melhor Ator (Adrien Brody), Melhor Fotografia (Lol Crawley) e Melhor Banda Sonora Original (Daniel Blumberg). Foi nomeado ainda para Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Ator Secundário (Guy Pearce), Melhor Atriz Secundária (Felicity Jones), Melhor Argumento Original, Melhor Montagem e Melhor Design de Produção.
Globos de Ouro (82ª edição): Obteve 7 nomeações e ganhou 3 das categorias principais: Melhor Filme Dramático, Melhor Realizador e Melhor Ator Dramático (Brody).
Prémios BAFTA: Acumulou múltiplas nomeações e vitórias chave, incluindo Melhor Realizador, Melhor Ator, Melhor Fotografia e Melhor Banda Sonora Original.
Outros Reconhecimentos: Foi incluído no Top 10 de Filmes do Ano do American Film Institute (AFI), recebeu 9 nomeações nos Critics’ Choice Awards (ganhando Melhor Ator para Brody), e acumulou numerosos prémios de associações de críticos de cinema.
A Nossa Opinião
Uma dupla reflexão e um lembrete: este filme custou 10 milhões de dólares e, no entanto, tem uma dimensão épica e uma ambição estética sem igual: está cheio de nuances, de grandes cenários e tem uma enorme força a nível visual: um resultado que quase ninguém consegue, nem mesmo com orçamentos que superam os 100 milhões.
Este filme é um marco nesse sentido, e demonstra que, com inteligência e criatividade, quase tudo é possível.
Dizer que “O Brutalista” é bom fica aquém: é brilhante em quase tudo, sobretudo a nível estético. Além disso, tem personagens cheias de história, interessantes, dramáticas e, ainda, narrativamente complexas, reais e bem delineadas.
O filme não oferece respostas fáceis. Explora as complexidades do trauma histórico, a ambiguidade moral do sucesso, a tensa relação entre a arte e o poder, e a dolorosa busca de identidade e pertença do imigrante. A sua conexão com a arquitetura brutalista, mais metafórica que literal, acrescenta uma camada de significado que convida à reflexão sobre como os espaços que construímos refletem as nossas psicologias individuais e coletivas.
“O Brutalista” é o tipo de filme que alguns chamam de pretensioso e que, contrariamente à sua opinião, nesta revista adoramos.
Recomendadíssimo.