Homem com H: A História de um Ícone Brasileiro Chega ao Palco Global

17/06/2025 3:24 AM EDT
Homem Com H – Netflix
Homem Com H – Netflix

Um novo drama musical biográfico, Homem com H, está agora disponível para streaming na Netflix, trazendo a história de um dos artistas mais influentes e provocadores do Brasil, Ney Matogrosso, a uma audiência global. O filme, realizado e escrito por Esmir Filho, narra a vida do icónico cantor, cuja carreira desafiou a repressão política e redefiniu as noções de género e performance na América Latina. O filme chega à plataforma após uma bem-sucedida exibição nos cinemas do Brasil, onde atraiu mais de 620.000 espectadores, arrecadou mais de 13 milhões de reais e se tornou um dos filmes mais bem classificados do ano no site de críticas Letterboxd. Embora o título oficial do filme seja uma referência direta a uma das canções mais famosas de Matogrosso, está a ser lançado internacionalmente com títulos como Latin Blood – The Ballad of Ney Matogrosso. O título original, Homem com H, no entanto, permanece central para a mensagem do filme, apropriando-se de uma expressão coloquial de virilidade para celebrar um artista que a desmantelou.

Homem com H
Homem com H

O filme apresenta uma narrativa de libertação forjada na ousadia. Segue Ney de Souza Pereira, que mais tarde adotaria o nome artístico Ney Matogrosso, numa viagem pelas fases cruciais da sua vida. Desde uma infância no coração do Brasil, marcada pela paixão pela natureza e pela autoridade opressora de um pai militar emocionalmente distante, a história traça o seu caminho pela adolescência até à vida adulta, onde quebraria preconceitos para se tornar uma força cultural. O argumento, baseado na biografia Ney Matogrosso: A biografia, de Julio Maria, enquadra a persona pública de Matogrosso como o resultado direto das suas lutas privadas. A sua identidade artística, caracterizada pela liberdade radical, é mostrada não como uma mera escolha estética, mas como uma resposta necessária a uma vida inteira de confronto com a autoridade, um tema que o realizador Esmir Filho identificou como o cerne da história. Este tema central é explorado através das relações-chave que definiram a sua vida: o conflito fundamental com o seu pai, Antônio; o caldeirão criativo da sua primeira banda, Secos & Molhados; e o profundo amor e perda vividos nas suas relações com outros músicos, incluindo o icónico roqueiro brasileiro Cazuza e o seu parceiro Marco de Maria. O filme aborda a crise da SIDA dos anos 1980, que afetou profundamente o círculo de Matogrosso, com um foco respeitoso no elemento humano do medo, do preconceito e da insegurança que as pessoas sentiam, em vez de tornar a doença o único foco da narrativa.

O verdadeiro Ney Matogrosso foi um fenómeno cultural cujo impacto se estendeu muito para além da música. Classificado pela Rolling Stone como o terceiro maior cantor latino-americano de todos os tempos, surgiu na cena brasileira em 1971 como o vocalista da banda de glam-folk Secos & Molhados, ao lado de João Ricardo e Gerson Conrad. Com a sua voz de contratenor única e aguda e a sua presença andrógina em palco, tornou-se uma sensação instantânea. O grupo vendeu um milhão de discos em menos de dois anos, um feito impressionante. Após a separação da banda, Matogrosso lançou uma carreira a solo ainda mais provocadora e bem-sucedida, definida por figurinos extravagantes, maquilhagem elaborada e movimentos ousados e fluidos. A sua combinação de arte de vanguarda e sucesso comercial massivo foi notável; não era um artista de nicho, mas uma estrela popular que levou a performance transgressora e com códigos queer para as casas de milhões de pessoas com sucessos como “América do Sul” e “Bandolero”. Isto tornou-o impossível de ser ignorado, forçando uma conversa nacional sobre identidade и liberdade.

A sua ascensão à fama coincidiu com o período mais repressivo da ditadura militar no Brasil. Os Secos & Molhados apareceram em cena justamente quando o regime, que começou em 1964, entrava na sua fase mais severa, os anos de chumbo, após o decreto do Ato Institucional n.º 5 em 1968. Enquanto alguns grupos de esquerda se envolviam na luta armada contra o Estado, Matogrosso travava um tipo diferente de guerra. A sua rebelião era estética. O seu corpo, a sua voz e as suas performances tornaram-se locais de resistência política. Abertamente fluido na sua sexualidade numa época de conservadorismo rígido, ele desafiou o status quo com um estilo que desafiava as normas de género, não sendo nem tradicionalmente masculino nem feminino. O seu trabalho foi além da simples oposição ao governo; foi um movimento contracultural que se rebelou contra normas sociais mais amplas relativas à música, ao nacionalismo e ao próprio corpo. Ao atingir um nível de popularidade que rivalizava com qualquer artista mainstream, ele demonstrou que a subversão cultural poderia ser uma ferramenta poderosa contra o autoritarismo, desafiando o poder ao reconfigurar a compreensão da cultura sobre a identidade.

A visão do realizador Esmir Filho para Homem com H foi traduzir essa força vital em linguagem cinematográfica. O filme evita conscientemente a estrutura formulaica de “maiores sucessos” de muitas biografias cinematográficas. Em vez disso, procura ser uma experiência vibrante, sensorial e emocional que permite ao público sentir a essência da energia de Matogrosso. O realizador afirmou que as suas escolhas estéticas foram baseadas na “pulsação erótica” e no “desejo” que emanam do artista, criando um filme sobre o impulso pela liberdade. Em colaboração com o diretor de fotografia Azul Serra, Filho cria um mundo visual íntimo e altamente simbólico, caracterizado por cores quentes e saturadas, um uso frequente de grandes planos que refletem o conflito interno do protagonista e um conceito poético recorrente de “animalidade”. O design de som do filme é igualmente imersivo, tecendo uma banda sonora de 17 canções que não são meramente ilustrativas, mas servem como marcos das transformações internas do personagem. Clássicos como “Sangue Latino”, “Rosa de Hiroshima” e “Homem com H” carregam um peso emocional e narrativo significativo, reforçando a jornada de autoconstrução do artista. O objetivo declarado do realizador era criar uma experiência para ser mais bem apreciada no cinema, onde a sua riqueza visual e auditiva pudesse ser totalmente absorvida.

No coração do filme está uma atuação amplamente elogiada do ator Jesuíta Barbosa. A crítica aclamou Barbosa pela sua “caracterização perfeita e trabalho corporal impressionante”, capturando os trejeitos e a presença de Matogrosso com uma precisão espantosa. A sua atuação é descrita não como uma interpretação, mas como uma forma de canalização, uma “possessão” ou “transe” onde ele incorpora plenamente o espírito do artista. Esta performance é notada pelo seu raro equilíbrio entre a exuberância do palco e uma vulnerabilidade crua fora dele. Uma escolha artística crucial foi feita em relação aos números musicais: Barbosa encarna a fisicalidade das performances, mas a voz ouvida é a do próprio Ney Matogrosso, usando gravações originais. Essa decisão cria uma dualidade poderosa, evitando a armadilha comum de um ator tentando imitar uma voz lendária. O público vê a luta emocional e física do personagem através da performance de Barbosa, enquanto ouve o poder autêntico e transcendente da arte de Matogrosso. Isso separa o homem mortal da sua voz imortal, criando uma experiência em camadas que é tanto um drama humano envolvente quanto uma autêntica celebração musical.

O título original do filme é, por si só, um ato de profunda ironia e uma chave para o seu tema central. No Brasil, “homem com H” é um coloquialismo para um homem que exibe virilidade e coragem tradicionais e inabaláveis. A canção de mesmo nome usa imagens do folclore brasileiro, como cobras e lobisomens, para evocar provações de machismo. Ao intitular um filme sobre um artista que dedicou a sua vida a desmontar esse mesmo conceito com essa frase, os cineastas lançam um desafio. O título força o público a reconciliar o termo com a realidade fluida, andrógina e queer do seu tema. É uma reapropriação da linguagem das normas patriarcais para celebrar uma figura de libertação. Como observou o realizador Esmir Filho, Matogrosso “subverteu a coreografia do masculino”, provando que era possível ser homem com qualquer letra, não apenas a prescrita pela sociedade. O filme argumenta que Matogrosso é o “Homem com H” definitivo precisamente porque teve a coragem de rejeitar todas as definições pré-estabelecidas, demonstrando que a verdadeira força reside na autenticidade, não na conformidade. Homem com H é mais do que uma biografia; é uma declaração estética e política, um filme que entende que a arte é um ato de desobediência e que nenhum rótulo pode conter um artista tão singular quanto Ney Matogrosso.

O filme estreou nos cinemas brasileiros a 1 de maio de 2025. A sua estreia mundial ocorreu durante o encerramento do 27.º Festival de Cinema Brasileiro de Paris, a 6 de maio de 2025. O filme foi lançado para streaming global na Netflix a 17 de junho de 2025.

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