Um novo documentário da Netflix, “Greenfell: Toda A Verdade”, estreou, oferecendo um exame forense dos eventos e das falhas sistémicas que culminaram no incêndio da Torre Grenfell. Este filme surge como uma contribuição significativa para o discurso público em curso sobre a tragédia, visando iluminar a complexa cadeia de negligência e supervisão que levou à devastadora perda de vidas. O documentário é um filme poderoso que expõe as falhas sistémicas e a negligência regulamentar que precederam um dos incêndios residenciais mais significativos da história britânica moderna.
Dirigido por Olaide Sadiq e produzido pela Rogan Productions, o filme é apresentado como uma investigação detalhada. Baseia-se em evidências da investigação pública, em extenso jornalismo de investigação e em depoimentos convincentes em primeira mão de sobreviventes, famílias enlutadas e bombeiros. O seu propósito declarado é lançar luz sobre como os avisos de segurança contra incêndio foram ignorados, os regulamentos de construção não foram aplicados e os testes de segurança cruciais foram manipulados. O lançamento imediato deste documentário serve para reenergizar a atenção pública sobre a tragédia de Grenfell, enfatizando o custo humano das falhas sistémicas e renovando a pressão por responsabilidade e justiça. A chegada oportuna do filme garante que as questões em torno do desastre permaneçam em primeiro plano na consciência pública.

A Catástrofe da Torre Grenfell: Um Desastre Evitável
O documentário revisita os eventos do incêndio da Torre Grenfell, uma tragédia nacional que ceifou 72 vidas, incluindo 18 crianças, depois de um incêndio ter deflagrado num apartamento do quarto andar e ter rapidamente engolido o edifício residencial de 23 andares. A propagação rápida e catastrófica do incêndio foi atribuída principalmente à estrutura externa do edifício, especificamente aos painéis de revestimento e isolamento combustíveis, que criaram um “efeito chaminé” que alimentou a rápida propagação do fogo pela parte exterior da estrutura. Este reexame serve como um lembrete contundente da escala do desastre, que foi descrito como o pior incêndio residencial da Grã-Bretanha desde a Segunda Guerra Mundial.
O filme reconstrói meticulosamente a cronologia que levou ao incêndio, afirmando que não foi um acidente imprevisto, mas sim um desastre evitável que se desenrolou à vista de todos. O relatório final da Investigação da Torre Grenfell concluiu que uma cadeia de falhas entre o governo e o setor privado levou a torre a tornar-se uma “armadilha mortal”, com o revestimento identificado como a razão “principal” para a rápida propagação do incêndio. Ao enquadrar o incêndio como evitável e uma consequência inevitável, o documentário muda a narrativa de um evento trágico singular para um resultado direto de uma série de ações e omissões deliberadas ou negligentes ao longo de um período prolongado. Essa abordagem destaca a culpabilidade em vez de mera má sorte, preparando o cenário para uma exploração mais aprofundada da responsabilidade.
Revelando Décadas de Negligência e Engano
“Greenfell: Toda A Verdade” argumenta que o incêndio foi o “culminar de décadas de negligência” tanto por parte das autoridades governamentais quanto da indústria da construção. O filme expõe um padrão em que os avisos de segurança contra incêndio foram ignorados, os regulamentos de construção não foram aplicados e os testes de segurança cruciais foram manipulados, contribuindo para uma cultura que priorizava o lucro em detrimento das pessoas.
O documentário incorpora novas evidências, incluindo e-mails internos de empresas nunca antes vistos e entrevistas com especialistas do setor da construção e do governo. Essas revelações lançam luz sobre a extensão em que informações cruciais sobre os riscos de incêndio, particularmente em relação aos painéis de Material Composto de Alumínio (ACM), eram conhecidas, mas não foram divulgadas ou não foram tomadas medidas. Por exemplo, e-mails internos da Arconic mostrados no filme indicam que um executivo sénior sabia que o revestimento não deveria ter sido usado em edifícios altos dois anos antes do incêndio. O filme destaca como os fabricantes de componentes de fachada manipularam testes de incêndio e usaram certificados de produtos desatualizados, deixando de divulgar riscos de incêndio significativamente maiores associados a certas formas de montagem. Essa evidência sugere uma priorização deliberada de interesses comerciais sobre a segurança pública, contribuindo para o que a Investigação da Torre Grenfell descreveu como “desonestidade sistemática” por parte dos fabricantes. O foco do documentário nessas comunicações internas e no conhecimento previamente não divulgado vai além das acusações gerais de negligência, fornecendo indicações concretas de cumplicidade consciente ou cegueira voluntária dentro das estruturas corporativas. Isso sugere um nível mais profundo de intencionalidade ou desconsideração imprudente, elevando a narrativa de uma mera falha sistémica para uma possível má conduta corporativa.
Responsabilidade e Falhas Sistémicas em Múltiplos Setores
O documentário, ecoando as conclusões da Investigação da Torre Grenfell, detalha meticulosamente uma cadeia de falhas envolvendo múltiplas partes. O governo e os reguladores são criticados por falharem no seu dever fundamental de manter os residentes seguros, com o Vice-Primeiro Ministro a expressar profundo pesar por essas falhas e a reconhecer “falha após falha, ano após ano”.
O Royal Borough de Kensington e Chelsea (RBKC) e a sua Organização de Gestão de Inquilinos (TMO) são mostrados como tendo falhado em ouvir as preocupações dos residentes e foi constatado que priorizaram medidas de corte de custos, contribuindo para o uso de revestimento combustível. A investigação descobriu que a relação da TMO com os residentes foi caracterizada por “desconfiança, aversão, antagonismo pessoal e raiva”, indicando uma falha grave nas suas responsabilidades básicas. O departamento de controlo de construção do RBKC também falhou em escrutinar adequadamente o projeto e os materiais, arcando com “considerável responsabilidade” pela condição perigosa do edifício após a conclusão dos trabalhos de reforma.
A Brigada de Incêndio de Londres (LFB) foi criticada por estar despreparada para um incêndio dessa escala, por não ter o treino necessário e por não partilhar internamente o conhecimento sobre materiais modernos e métodos de construção. A estratégia de evacuação de “ficar no local” provou ser fatal para muitos residentes, mudando apenas 1,5 horas após a chamada inicial, destacando deficiências operacionais críticas e uma falta de antecipação para um incêndio dessa escala.
Além dos atores diretos, o filme e as conclusões da investigação estendem a culpa a órgãos de certificação como o British Board of Agrément (BBA) e o Local Authority Building Control (LABC), que foram considerados com processos inadequados e suscetíveis a “comportamento desonesto” por parte dos fabricantes. O Building Research Establishment (BRE) também foi implicado por “conduta não profissional”, “práticas inadequadas” e por priorizar a acomodação do cliente em detrimento da segurança pública.
Apesar das extensas conclusões da investigação e da clara identificação das falhas, o documentário ressalta a contínua “falta de responsabilização”, observando que nenhum indivíduo foi processado em conexão com o desastre. Ele destaca como alguns funcionários e figuras corporativas implicadas na investigação, como Brian Martin (um funcionário público descrito como um “ponto único de falha” nas regulamentações de construção) e Deborah French (uma ex-gerente de vendas da Arconic que admitiu saber que os painéis podiam queimar), continuaram a ocupar cargos no governo ou na indústria. A persistência desses indivíduos em papéis de influência, apesar das conclusões da investigação, sugere um problema sistémico que vai além das falhas passadas, apontando para uma impunidade contínua e uma potencial falta de mecanismos robustos para a responsabilização profissional tanto nos setores público quanto privado. Essa presença contínua de figuras implicadas levanta questões sobre a eficácia das medidas de responsabilização atuais e o ritmo de uma verdadeira mudança sistémica.
Vozes dos Sobreviventes e a Luta Contínua por Justiça
Uma força central de “Greenfell: Toda A Verdade” reside no seu compromisso de dar voz aos diretamente afetados pela tragédia. O filme apresenta depoimentos comoventes de sobreviventes, famílias enlutadas e bombeiros, garantindo que a dimensão humana do desastre permaneça central na narrativa.
A diretora Olaide Sadiq partilhou a sua conexão pessoal com a tragédia, tendo conhecido Khadija Saye, uma das vítimas, o que informa a abordagem empática do filme. Sadiq enfatizou que o filme foi moldado pelas vozes dos sobreviventes e daqueles que lutam por mudanças, visando refletir que Grenfell era um lar – um lugar onde as pessoas deveriam estar seguras. A ênfase do documentário nessas narrativas pessoais e o vínculo direto da diretora com uma vítima servem como um desafio direto aos aspetos desumanizantes da negligência sistémica e dos processos burocráticos. Ele lembra poderosamente aos espetadores as vidas individuais e as profundas perdas por trás das estatísticas, tornando o impacto da tragédia tangível e sublinhando o custo humano contínuo.
O documentário amplifica os apelos contínuos da comunidade por justiça e responsabilização. Pais enlutados, como Marcio Gomes, que aparece no filme, afirmam que o desastre foi “muito evitável” e uma consequência direta de “empresas priorizando lucros em detrimento da vida das pessoas”. Sobreviventes e ativistas, como Edward Daffarn, continuam a pressionar por ações mais fortes, destacando que “as pessoas ainda estão a dormir em edifícios que não são seguros” e expressando a esperança de que o documentário pressionará o governo para impedir que empresas envolvidas recebam fundos públicos.
Lições Aprendidas e o Caminho a Seguir
“Greenfell: Toda A Verdade” serve implicitamente como um poderoso apelo à ação urgente para prevenir outra tragédia dessa magnitude. O filme reforça a conclusão da Investigação da Torre Grenfell de que o incêndio foi o “culminar de décadas de falhas” e destaca a “desonestidade sistemática” dos fabricantes, enfatizando a necessidade de uma mudança profunda e duradoura na segurança e regulamentação da construção.
O governo reconheceu as suas falhas e aceitou as conclusões da Investigação, comprometendo-se a implementar as recomendações e a “ir mais além” no tratamento de questões sistémicas em segurança de edifícios; segurança e regulamentação contra incêndios; remediação; habitação social e resiliência e resposta a emergências. Reformas foram feitas para lidar com as falhas urgentes de segurança identificadas em resposta à tragédia da Torre Grenfell. No entanto, o documentário e a contínua defesa da comunidade ressaltam que desafios significativos permanecem, particularmente em relação ao ritmo da mudança e à existência contínua de edifícios inseguros em toda Londres. O lançamento do filme, anos após o incêndio e a publicação dos relatórios da investigação, sugere que as respostas e reformas oficiais até o momento são percebidas como insuficientes pelas pessoas diretamente afetadas e pelos cineastas. Isso posiciona o filme como um mecanismo para reenergizar a vontade pública e política para uma ação mais decisiva, destacando que as lições fundamentais da Torre Grenfell ainda não foram totalmente implementadas para a satisfação das vítimas e defensores. O filme visa manter a pressão pública por responsabilização e garantir que as lições da Torre Grenfell não sejam esquecidas, servindo como um apelo vital e inabalável por justiça e um catalisador para esforços contínuos de reforma.
Disponibilidade
“Greenfell: Toda A Verdade”, um documentário de longa-metragem com duração de 100 minutos, está disponível para streaming na Netflix a partir de hoje, 20 de junho.