«Love is Blind» chega à 9.ª temporada na Netflix: A experiência social que desafia o romance moderno aterra em Denver

Love is Blind
Molly Se-kyung
Molly Se-kyung
Molly Se-kyung é romancista e crítica de cinema e televisão. É também responsável pelas secções de estilo.

Como já saberá, na Netflix decidiram levar as coisas à letra e descobrir se, realmente, o amor é cego. Levemo-lo a sério ou não, «Love is Blind» tornou-se um dos programas de maior sucesso da plataforma e teve edições em várias partes do mundo (Brasil, Suécia, França…).

E agora chega-nos a nona temporada da causadora de tudo, da original, do «Love is Blind» que quebrou as regras e fez escola dentro destes programas. É que «Love is Blind» consolidou-se como um fenómeno cultural significativo, apresentando-se não apenas como um programa de encontros, mas como uma “experiência social”.

A sua premissa fundamental procura testar uma hipótese central: será possível que duas pessoas desenvolvam uma ligação emocional tão profunda a ponto de decidirem casar, tudo isto sem nunca se terem visto? Este formato desafia diretamente as convenções do romance moderno, muitas vezes impulsionado pela atração física e pelas primeiras impressões visuais.

Desde o seu lançamento, a série captou uma atenção considerável por parte do público. O programa, uma criação de Chris Coelen e produzido pela Kinetic Content, estabeleceu um modelo que se distingue de outros formatos de encontros. O uso deliberado do termo “experiência social” é fundamental para compreender o apelo da série. Esta designação funciona como o principal gancho narrativo e de marketing, conferindo aos procedimentos um ar de investigação e legitimidade que vai para além do mero entretenimento. Ao enquadrar a premissa como uma pergunta em aberto — o amor é realmente cego? —, o programa convida a audiência a adotar um papel de observador num estudo sobre a ligação humana.

Dentro das Cabinas (“Pods”)

A fase inicial e mais distintiva da experiência desenvolve-se num ambiente meticulosamente desenhado: as “cabinas” ou “pods”. Trata-se de pequenas salas construídas propositadamente para o programa, onde os concorrentes, um número igual de homens e mulheres, podem conversar entre si através de altifalantes, mas estão separados por uma barreira translúcida que impede qualquer tipo de contacto visual.

Esta etapa crucial do processo estende-se ao longo de 10 dias, durante os quais os participantes estão proibidos de usar telemóveis, internet ou qualquer contacto com o mundo exterior para garantir uma imersão total na experiência. O formato de encontros dentro das cabinas está estruturado para maximizar as interações. Começa com uma série de encontros rápidos, de sete a dez minutos, permitindo que cada participante fale com todos os membros do sexo oposto. À medida que os dias avançam, os concorrentes podem escolher ter encontros mais longos e profundos com aquelas pessoas com quem sentem uma ligação emergente, podendo algumas destas conversas estender-se por horas. Para organizar este complexo calendário de interações, os produtores empregam uma fórmula inspirada no algoritmo de Gale-Shapley, um método matemático utilizado para encontrar emparelhamentos estáveis, assegurando assim um processo ordenado.

O ambiente das cabinas está desenhado para eliminar por completo o fator da aparência física, obrigando os participantes a construir relações baseadas exclusivamente na comunicação, na personalidade e nos valores partilhados. Esta abordagem alinha-se com a teoria da penetração social, um modelo que postula que as relações se desenvolvem à medida que os indivíduos partilham informação cada vez mais pessoal e profunda sobre si mesmos.

A culminação desta fase chega quando um participante decide propor casamento. Só depois de a proposta ser aceite é que o casal recém-noivado se conhece cara a cara pela primeira vez. Este formato não só permite, como projeta ativamente as condições para uma intimidade acelerada. Ao eliminar todas as distrações externas e os sinais sociais associados à aparência física, as cabinas criam um vácuo conversacional único. Para estabelecer qualquer tipo de ligação, os participantes veem-se obrigados a superar rapidamente os temas superficiais e a encetar diálogos sobre os seus valores, histórias pessoais e aspirações futuras. Este processo acelera drasticamente a “penetração social”, forçando um nível de vulnerabilidade e autorrevelação que, num contexto de encontros tradicional, poderia demorar meses ou até anos a alcançar. Portanto, o vínculo que se forma nas cabinas é uma consequência direta de um ambiente desenhado para a intimidade emocional hiperacelerada.

A Psicologia das Cabinas: Um Catalisador para a Intimidade

O design das cabinas funciona como um catalisador psicológico que fomenta ligações rápidas e intensas. Ao eliminar o contacto visual, o ambiente replica certos aspetos da comunicação online, o que pode levar a um fenómeno conhecido como “desinibição online”. Sem os sinais não verbais habituais, os participantes podem sentir-se mais seguros para partilhar informação íntima a um ritmo acelerado, criando uma sensação de ligação profunda em pouco tempo.

Este processo ativa de forma intencional o “impulso de vinculação” dos concorrentes. Ao enquadrar a experiência como um caminho direto para o casamento, o formato muda o objetivo de um simples encontro para a procura de um cônjuge, o que intensifica a urgência emocional. Neste contexto, a falta de informação visual cria um “espaço em branco” que os participantes preenchem com as suas próprias fantasias e projeções. A voz do outro torna-se o principal veículo de ligação, um estímulo que pode evocar sentimentos primários e potentes, já que a voz é uma das primeiras características de uma figura de vinculação na vida de uma pessoa.

Além disso, a teoria das relações de objeto sugere que os participantes podem projetar inconscientemente qualidades de pessoas importantes do seu passado nos seus parceiros das cabinas, com base em semelhanças superficiais na conversa. Isto pode gerar uma falsa sensação de familiaridade e confiança, acelerando a crença de que encontraram a sua alma gémea. Em essência, o ambiente das cabinas está desenhado para ser uma “estufa” de emoções, onde a combinação de isolamento, autorrevelação acelerada e projeção de fantasias pode fazer com que a paixão pareça um amor profundo e duradouro.

Da Ligação Emocional à Realidade Física: A Viagem até ao Altar

Assim que os casais se comprometem e abandonam o isolamento das cabinas, a experiência entra numa série de fases sequenciais desenhadas para testar a força do seu vínculo emocional inicial perante as complexidades do mundo real.

O Primeiro Encontro e o Retiro de Casais

O primeiro momento crucial após as cabinas é a “revelação”, o instante em que os casais se veem pela primeira vez. Imediatamente a seguir, todos os casais noivos viajam juntos para um retiro num resort de luxo durante uma semana. Esta etapa tem um duplo propósito: permite aos casais explorar a sua ligação física pela primeira vez e introdu-los numa nova dinâmica social ao interagirem com os outros casais que também participam na experiência. Historicamente, estes retiros tiveram lugar em destinos internacionais como Playa del Carmen, no México, ou Punta Cana, na República Dominicana, proporcionando um ambiente idílico semelhante a uma lua de mel que contrasta marcadamente com os desafios que os esperam.

A Prova do Mundo Real: Coabitação e Integração

Após o retiro, os casais regressam à sua cidade de origem para a fase de coabitação, que dura as últimas três semanas da experiência. Mudam-se juntos para um complexo de apartamentos neutro. É neste ponto que o formato introduz sistematicamente variáveis do mundo real. Os casais devem fundir as suas vidas quotidianas, enfrentando os desafios da convivência, da gestão de horários de trabalho, dos hábitos pessoais и das questões financeiras. A importância desta fase é evidente, já que é onde as ligações forjadas nas cabinas enfrentam provas práticas. Conflitos relacionados com a honestidade, os estilos de vida ou as responsabilidades diárias tornam-se pontos de viragem que podem fortalecer ou desfazer a relação.

A Fusão de Vidas: Família, Amigos e Planeamento Nupcial

O último passo antes do altar implica a integração das redes sociais e familiares de cada indivíduo. Os casais conhecem os amigos e familiares um do outro, um passo fundamental em qualquer relação séria. A aprovação ou desaprovação dos entes queridos atua frequentemente como um fator significativo que pode consolidar a confiança de um casal ou semear dúvidas. Simultaneamente, os casais devem planear um casamento num prazo extremamente curto. Este processo inclui atividades como a escolha de vestidos de noiva e fatos, a seleção do bolo de casamento e a tomada de outras decisões logísticas, tudo isto enquanto navegam pela crescente pressão da sua iminente decisão final.

A estrutura pós-cabinas parece estar intencionalmente desenhada para aplicar uma tensão máxima ao vínculo emocional inicial. Cada fase desmantela sistematicamente o ambiente estéril no qual a ligação se formou. Primeiro, introduz a variável da atração física na revelação. Depois, a comparação social e a dinâmica de grupo no retiro. A seguir, a compatibilidade doméstica na coabitação. Finalmente, a pressão da aprovação social e familiar. A compressão extrema do tempo, que obriga a planear um casamento em questão de semanas, atua como o catalisador final deste teste de stresse.

Deste modo, a questão dramática central do programa evolui: começa por ser “Será que se podem apaixonar sem se verem?” e transforma-se em “Poderá um amor nascido no vazio sobreviver ao assalto imediato e avassalador da realidade?”. O formato é, em essência, uma corrida de obstáculos desenhada para determinar que vínculos são suficientemente robustos para suportar uma série de provas de alta pressão.

Correntes Sociológicas Subjacentes: Raça, Classe e Beleza

Embora a premissa do programa tente eliminar os preconceitos visuais, a experiência torna-se inevitavelmente um microcosmo onde as normas sociais sobre beleza, raça e classe social ressurgem com força. Assim que os casais se conhecem pessoalmente, a atração física torna-se um fator central. Frequentemente, os primeiros comentários após a revelação centram-se na aparência, com afirmações como “és linda” ou “gosto do que vejo”, o que sugere que, embora o amor possa começar “cego”, a validação física continua a ser uma componente crucial para muitos participantes.

O formato foi analisado pela sua tendência para reforçar os padrões de beleza convencionais. Apesar da premissa, o elenco de cada temporada é geralmente composto por pessoas convencionalmente atraentes, o que leva a debates sobre o “privilégio da beleza”. Quando um participante não se sente fisicamente atraído pelo seu noivo/a, a dinâmica da relação muda drasticamente, o que demonstra que a aparência continua a ser um fator determinante para o sucesso do casal fora das cabinas.

Além disso, o programa ilustra como a raça é uma construção social que os participantes navegam mesmo sem se verem. As conversas nas cabinas revelam frequentemente como os indivíduos entendem e identificam a raça através do diálogo, demonstrando que a identidade racial é uma componente importante da ligação muito antes do encontro físico. Fora das cabinas, as dinâmicas inter-raciais e a aceitação por parte das famílias tornam-se obstáculos reais que os casais devem superar, refletindo as complexidades sociais do mundo exterior.

Destino Denver: A Nona Temporada

A nona temporada da experiência levará os participantes e os espetadores a Denver, no Colorado. A escolha da “Mile-High City” como cenário foi anunciada durante a reunião da oitava temporada, num segmento que contou com a participação dos jogadores da NFL Josh Metellus, dos Minnesota Vikings, e Alex Singleton, dos Denver Broncos, que “passaram o testemunho” simbolicamente à nova temporada.

À frente do programa, mais uma vez, estarão os apresentadores Nick e Vanessa Lachey, que têm sido os anfitriões da série desde o seu início. Para esta nova edição, foi selecionado um elenco de 32 solteiros da área de Denver, com idades compreendidas entre os 27 e os 41 anos, todos em busca de uma ligação amorosa duradoura. A seguir, apresenta-se o perfil dos participantes.

Encontrar os Participantes “Certos” para a Experiência

O processo para ser selecionado para o «Love is Blind» é rigoroso e multifacetado, desenhado para encontrar pessoas que estejam genuinamente interessadas num compromisso a longo prazo. A equipa de casting, dirigida pela produtora Kinetic Content, utiliza uma combinação de candidaturas abertas, pesquisa em redes sociais e aplicações de encontros, e até mesmo recrutamento direto em locais como bares ou através de plataformas profissionais como o LinkedIn.

O processo começa com uma candidatura online que inclui perguntas pessoais, fotografias e um breve vídeo. A partir de milhares de candidaturas, a equipa de casting reduz o grupo para cerca de 2000 candidatos para entrevistas telefónicas, e depois para 300-400 para entrevistas em vídeo. Os produtores procuram pessoas que sejam autênticas, dispostas a ser vulneráveis e, acima de tudo, que tenham a intenção séria de casar. Os “sinais de alerta” para a equipa de casting incluem candidatos que expressam o desejo de ser “o vilão” ou que parecem estar mais interessados na fama do que no amor.

Os finalistas devem preencher um detalhado questionário de compatibilidade com quase 300 perguntas, bem como submeter-se a uma verificação de antecedentes e a uma avaliação psicológica antes de serem considerados para o elenco final. De um grupo de 60 a 70 pessoas, são finalmente selecionados 30 concorrentes para entrar nas cabinas, prestando especial atenção às possíveis ligações e dinâmicas de grupo que possam surgir.

O Veredito Final e o Legado do Formato

O clímax de cada temporada de «Love is Blind» chega no dia do casamento. No altar, perante os seus amigos e familiares, cada participante deve tomar a decisão final e independente de dizer “Sim, aceito” e contrair matrimónio legalmente. Esta decisão representa a resposta definitiva à pergunta que guiou a sua jornada ao longo da experiência.

Para encerrar cada temporada, é emitido um episódio de reunião especial, que oferece aos espetadores uma atualização sobre o estado das relações dos casais depois de as câmaras pararem de gravar. O sucesso do formato não se limita à sua edição norte-americana. «Love is Blind» tornou-se uma franquia global, com adaptações produzidas em numerosos países, entre eles Brasil, Japão, Suécia, Reino Unido, Alemanha, Argentina e México. Esta expansão internacional demonstra a ressonância universal da sua premissa, ao mesmo tempo que oferece uma visão das diferentes culturas de encontros em todo o mundo.

As estatísticas globais da franquia oferecem um contexto sobre os resultados da experiência. Dos 120 compromissos que se formaram nas diferentes versões do programa, 48 casais chegaram a casar-se no altar, o que representa uma taxa de sucesso de 40% para os casais que se comprometem nas cabinas. Desses casamentos, 27 continuavam juntos em agosto de 2025, o que se traduz numa taxa de permanência de 58% para os casais que se casam.

A expansão do programa para uma franquia multinacional é mais do que um simples feito comercial; funciona como uma forma de validação cultural. Sugere que as ansiedades e questões sobre os encontros modernos que o programa explora não são exclusivas de um único país, mas têm um eco global. Além disso, as estatísticas sobre casamentos e longevidade das relações, embora geradas num ambiente altamente artificial, são cruciais para a marca da franquia. Estes dados (os 40% e os 58%) permitem à plataforma argumentar que a “experiência” não é apenas um truque televisivo, mas uma via viável, ainda que pouco convencional, para uma relação duradoura. Este ciclo de expansão e dados estatísticos retroalimenta-se: as versões internacionais demonstram o apelo universal do conceito, enquanto os números fornecem a “evidência” para legitimar a premissa experimental, justificando assim futuros investimentos e a continuação da franquia.

Calendário de Estreia

«Love is Blind» estabeleceu-se como uma experiência social de alto risco que primeiro isola a ligação emocional das pressões do mundo físico e depois a submete a uma série intensiva de provas de realidade. O seu formato único continua a explorar se um vínculo forjado unicamente através da conversa pode sobreviver e prosperar quando confrontado com as complexidades da vida a dois. A nona temporada, filmada em Denver, será composta por 12 episódios e estreará na Netflix.

O calendário de lançamento dos episódios é o seguinte:

  • A temporada estreia com os episódios 1 a 6 a 1 de outubro.
  • Os episódios 7 a 9 estarão disponíveis a 8 de outubro.
  • Os episódios 10 e 11 serão lançados a 15 de outubro.
  • O episódio final, o número 12, estreará a 22 de outubro.
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