A exposição se concentra na jornada artística de Clark desde meados da década de 1950 até o início dos anos 1970, um período particularmente instável na história do Brasil, quando também surgiram modos radicais de prática artística. Clark foi uma figura central no movimento neoconcreto brasileiro (1959 – 1961) ao lado de colegas artistas, Amilcar de Castro, Ferreira Gullar, Hélio Oiticica e Lygia Pape (entre outros), que estavam frustrados com o que sentiam ser as limitações da ‘arte concreta’ e seu ênfase na abstração geométrica não figurativa. Os artistas neoconcretos, em vez disso, começaram a pressionar por maior experimentação, expressão, cor e sensibilidade poética em suas práticas – bem como propor uma mudança na forma como o público poderia participar das obras de arte.
O Eu e o Você revela como a experimentação formal inicial de Clark e o crescente interesse na filosofia da experiência e no potencial terapêutico da arte levaram a um fechamento gradual da lacuna entre a obra e o espectador.
A exposição abre com uma série de pinturas, estudos e trabalhos em papel. Estes mostram como suas investigações sobre os elementos constitutivos da pintura resultaram em uma abordagem cada vez mais intuitiva em relação à composição. Neste momento, ela também se envolveu em encontrar novas maneiras para o público (que mais tarde seria referido como ‘participantes’) para interagir fisicamente com suas obras de arte, continuando seu interesse no relacionamento entre objeto e espectador, interno e externo, eu e o mundo.
A exposição também apresenta exemplos dos Bichos de Clark – obras inovadoras que surgiram de suas investigações sobre superfícies ou planos bidimensionais. Consistindo em formas geométricas unidas por dobradiças ao longo de seus múltiplos cruzamentos, os Bichos foram projetados para serem manipulados pelo espectador, tornando-os um participante ativo em uma forma escultural em constante mudança. Modelos réplica de Bichos e outras obras participativas estão incluídos na exposição, permitindo que os visitantes ativem essas obras através do toque, interação ou uso – como a artista originalmente pretendia.
Ao longo da década de 1960, o trabalho de Clark passou a priorizar a experiência corporificada ao invés do status simbólico do objeto. Seus materiais incluíam sacolas plásticas, papel, cola, pedras, sacos elásticos e redes de frutas que ela reaproveitava, convidando e incentivando uma variedade de experiências e proposições.
A última parte do Eu e o Você apresenta alguns dos trabalhos em grupo participativos de Clark, desenvolvidos durante seu tempo em Paris após os protestos de maio de 1968. Tendo fugido do ambiente político cada vez mais repressivo no Brasil, seu trabalho na França, alimentado pelo espírito revolucionário do tempo e do lugar, procurou superar as próprias fronteiras da arte através da exploração da dinâmica de grupo. Essas obras serão ativadas por meio de uma série de performances, que ocorrerão todos os sábados durante a execução da exposição.
Um programa integrado de palestras públicas, caminhadas e outros eventos participativos irão contextualizar ainda mais o trabalho e a prática de Lygia Clark.
Lygia Clark: O Eu e o Você é co-curada pelo estudioso de arte anglo-brasileiro Michael Asbury; a artista e educadora Sonia Boyce; e a diretora da Galeria Whitechapel, Gilane Tawadros, em estreita colaboração com a Associação Cultural Lygia Clark.
A exposição é apresentada em diálogo com Sonia Boyce: Uma Relação Incômoda (mostrado nas Galerias 7, 8 e 9). Boyce exibe corpos específicos de trabalho que refletem e exemplificam interesses compartilhados na prática participativa alternativa e na experimentação de formas, o que parece especialmente importante hoje, quando as preocupações com o cuidado e a participação na arte estão tão em destaque.
Sobre Lygia Clark
Lygia Clark (1920 – 1988, Brasil) desempenhou um papel central dentro da vanguarda neoconcreta brasileira no final da década de 1950. Durante viagens prolongadas à Europa, ela participou da efervescente e dinâmica cena artística de Londres na década de 1960, representou seu país na Bienal de Veneza de 1968 e propôs ações participativas com estudantes na Sorbonne em Paris na década de 1970, antes de retornar ao Brasil em 1977. Apesar de ter tido uma carreira transnacional, foi apenas postumamente que seu trabalho começou a receber reconhecimento internacional mais amplo após uma grande exposição retrospectiva que viajou para grandes instituições de arte europeias em meados dos anos 1990. Outras retrospectivas internacionais seguiram, incluindo: Lygia Clark: O Abandono da Arte no MoMA em Nova York 2014 e mais recentemente, Lygia Clark: Projeto para um Planeta, Pinacoteca do Estado, São Paulo, 2023.