“A Família Typhoon”: Crónica de resiliência e nostalgia na Coreia dos anos 90

O Olho do Furacão: Sobreviver a 1997

A Família Typhoon
Molly Se-kyung
Molly Se-kyung
Molly Se-kyung é romancista e crítica de cinema e televisão. É também responsável pelas secções de estilo.

O ano de 1997 permanece gravado na memória coletiva da Coreia do Sul como um ponto de viragem devastador, um momento em que a prosperidade de uma nação em pleno auge económico parou abruptamente. A crise financeira asiática, conhecida localmente como a “Crise do FMI”, abateu-se sobre o país com a força de um desastre natural, provocando o colapso de inúmeras empresas, disparando o desemprego e forçando o governo a solicitar um resgate ao Fundo Monetário Internacional. Foi um trauma nacional que desmantelou certezas e obrigou uma geração a reavaliar as suas prioridades e a sua própria capacidade de sobrevivência.

É neste cenário histórico turbulento que se ancora a nova série sul-coreana, A Família Typhoon. A produção apresenta-se como uma crónica que captura o “espírito de uma geração a navegar as tempestades” desta crise, explorando as lutas e transformações de uma juventude empurrada para a maturidade pela força das circunstâncias. A premissa central foca-se na odisseia de um jovem e inexperiente diretor executivo e da sua reduzida equipa, que lutam desesperadamente para proteger uma pequena empresa familiar do turbilhão da falência que arrasta gigantes corporativos. A série apresenta-se não como um lamento pelo que se perdeu, mas como um relato sobre “pessoas comuns” que encontraram força na comunidade e seguiram em frente quando “tudo parecia perdido”.

A realização da série está a cargo da dupla formada por Lee Na-jeong e Kim Dong-hwi, um dado que corrige a informação inicial que apontava para outra cineasta. Esta equipa criativa propôs-se a revisitar um dos momentos económicos mais sombrios do país, não для se regozijar no drama, mas para extrair dele uma mensagem de esperança. Num contexto global contemporâneo marcado pelas suas próprias incertezas — crises económicas, pandemias e conflitos geopolíticos —, a história da Coreia de 1997 funciona como um poderoso espelho. A equipa de produção e o elenco expressaram repetidamente o seu desejo de que a série ofereça “consolo e coragem a quem enfrenta tempos difíceis hoje” e sirva como uma “mensagem de apoio a todos os que vivem ferozmente na atualidade, não importa a época ou a geração”. Assim, A Família Typhoon utiliza um trauma nacional específico para explorar temas universais de resiliência, solidariedade e otimismo, construindo uma ponte narrativa entre uma crise passada e as ansiedades globais do presente.

A Queda do Príncipe de Apgujeong: A Jornada de Kang Tae-poong

Para compreender a magnitude da transformação do protagonista, Kang Tae-poong, é imprescindível entender o fenómeno cultural de que fazia parte: a “Tribo Laranja” (Orenji-jok). Este termo, frequentemente utilizado com um matiz sarcástico, surgiu no início da década de 1990 para descrever os jovens abastados do distrito de Gangnam, em Seul, especialmente da zona de Apgujeong. Eram os herdeiros da nova riqueza sul-coreana, conhecidos pelo seu estilo de vida ostentoso, o seu gosto por carros de importação e artigos de luxo, e uma atitude despreocupada financiada pela generosidade dos seus pais. O nome “Laranja” fazia referência às laranjas importadas, um símbolo de luxo estrangeiro na época, e evocava uma imagem de juventude que tinha estudado no estrangeiro, era profundamente influenciada pela cultura ocidental e vivia numa bolha de consumo que contrastava fortemente com a ética de trabalho das gerações anteriores.

Kang Tae-poong, interpretado pelo ator e cantor Lee Jun-ho, é a encarnação perfeita desta subcultura. Antes da crise, é um “playboy despreocupado”, um “jovem rico e extravagante” e um “espírito livre” cuja única preocupação é a moda e a diversão. O seu mundo, construído sobre os alicerces da fortuna familiar, desmorona-se com a chegada da crise do FMI e a morte súbita do seu pai. Da noite para o dia, é catapultado para a presidência da empresa familiar, a Typhoon Company, uma entidade à beira do colapso, “sem funcionários, nem dinheiro, nem nada para vender”.

Esta mudança brutal de circunstâncias inicia um arco de transformação que é o coração da série: a passagem de “jovem selvagem a chefe novato”. Tae-poong vê-se obrigado a abandonar o seu estilo de vida privilegiado para enfrentar as “duras realidades da sobrevivência”. No entanto, a narrativa revela que, sob a sua fachada de imaturidade, a personagem possui qualidades latentes: um “coração caloroso, um forte sentido de responsabilidade e um espírito de superação”. O próprio Lee Jun-ho descreveu Tae-poong como uma personagem com uma vasta gama de emoções, fundamentalmente honesto e adorável, dotado de um “espírito inabalável” que “nunca perde a esperança”. O ator confessou sentir uma ligação especial com a personagem, já que ele mesmo fundou a sua própria agência de representação pouco antes de começar as filmagens, o que lhe permitiu empatizar profundamente com os desafios de Tae-poong.

A jornada de Kang Tae-poong pode ser interpretada como um microcosmos do próprio amadurecimento forçado da Coreia do Sul durante a crise. A “Tribo Laranja” representava, de certa forma, a exuberância e o excesso da economia de “bolha” dos anos 90, uma fase que foi vista com desconfiança por aqueles que tinham construído o país a partir da austeridade. A crise do FMI foi uma violenta chamada à realidade para toda a nação, que teve de regressar a valores fundamentais como o esforço coletivo e a solidariedade. A trajetória de Tae-poong reflete diretamente este processo: é despojado da sua riqueza superficial e forçado a descobrir a sua substância interior. A sua evolução de consumidor a protetor não é apenas uma história pessoal de amadurecimento, mas uma alegoria redentora para uma geração, sugerindo que mesmo os membros mais aparentemente frívolos de uma sociedade possuem uma profunda capacidade de resiliência quando postos à prova.

A Determinação de Oh Mi-seon

Como contraponto fundamental à impulsividade de Kang Tae-poong encontra-se Oh Mi-seon, interpretada pela atriz Kim Min-ha. Se Tae-poong representa a elite despreocupada que precisa de aprender a sobreviver, Mi-seon encarna o núcleo trabalhador и resiliente da sociedade sul-coreana. É descrita como uma “contabilista tenaz e determinada”, a “quintessência da filha mais velha responsável” que trabalha turnos de 11 horas para sustentar a sua família. A sua personagem simboliza a ambição e a perseverança das mulheres que procuravam construir uma carreira num “mundo dominado por homens” naquela época.

Na narrativa de A Família Typhoon, Mi-seon é muito mais do que um interesse romântico ou uma personagem secundária; é a “âncora na tempestade” e o “cérebro” da operação de resgate da empresa. Enquanto Tae-poong, o “herói de ação” da história, confia no seu “instinto” e age de forma impulsiva, Mi-seon aporta a lógica, a meticulosidade e um profundo conhecimento prático. A sua calma, a sua força silenciosa e a sua diligência proporcionam a estabilidade de que tanto a companhia como o seu novo e inexperiente chefe necessitam desesperadamente. Por sua vez, encontra esperança na determinação inabalável de Tae-poong, criando uma relação simbiótica na qual ambos se fortalecem mutuamente.

A atriz Kim Min-ha expressou sentir-se “honrada” por interpretar uma personagem tão forte e manifestou o seu desejo de que os espetadores “sintam cada momento: a juventude, a esperança, a dificuldade e o triunfo”. Para preparar o seu papel, Min-ha mergulhou na história da época, chegando a entrevistar os seus próprios pais sobre as suas vivências durante a crise do FMI, um detalhe que sublinha o seu compromisso com a autenticidade da personagem.

A dinâmica entre Kang Tae-poong e Oh Mi-seon transcende o arquétipo da comédia romântica para se tornar uma poderosa metáfora da recuperação nacional. Os próprios atores descrevem as suas personagens como “completamente opostos em todos os sentidos”. Ele é o herdeiro privilegiado, guiado pela intuição; ela é a filha da classe trabalhadora, guiada pela lógica. A crise económica apaga as barreiras sociais que, noutras circunstâncias, os teriam mantido separados. O privilégio dele torna-se inútil, enquanto as competências práticas dela se tornam inestimáveis. A sua colaboração, portanto, simboliza a união necessária de diferentes estratos sociais e filosofias para a sobrevivência da Coreia. A série argumenta que a recuperação nacional não foi obra de uma única classe, mas o resultado de uma síntese forçada, mas, em última análise, frutífera. A sinergia entre ambos, como descreve Kim Min-ha, “não só salva a empresa, como a sua determinação inabalável os ajuda finalmente a levantarem-se de novo”, um eco direto da narrativa nacional de superação através da ação coletiva.

Uma Família Forjada na Crise

Para além dos seus dois protagonistas, A Família Typhoon dá uma ênfase crucial ao conjunto de funcionários que lutam para manter a empresa à tona. A equipa de produção refere-se a eles como a “‘Força Especial Typhoon’” e destaca o seu “‘espírito de equipa'” como um pilar fundamental da narrativa. Este grupo heterogéneo de indivíduos torna-se uma “família encontrada”, forjada no crisol da adversidade, demonstrando que os laços criados na luta podem ser tão fortes como os de sangue. A importância deste elenco secundário é um tema recorrente nas declarações da equipa de produção. Afirmam que a química entre os membros da Typhoon Company “tem um significado que vai além de serem meros colegas” e que, através do processo de “cobrir as carências uns dos outros e partilhar risos em tempos difíceis, proporcionarão uma energia vibrante aos espetadores de hoje”. Esta abordagem reforça a mensagem central da série: a sobrevivência é um esforço coletivo, não individual.

A crise do FMI é frequentemente associada às quedas espetaculares e à reestruturação dos chaebols, os gigantescos conglomerados coreanos como a Daewoo. Muitas produções culturais focaram-se nas lutas de poder dentro destas entidades monolíticas. A Família Typhoon, em contrapartida, oferece uma contra-narrativa. Ao destacar uma pequena empresa cujo espírito se baseia na lealdade, no apoio mútuo e na camaradagem, a série defende um modelo de capitalismo mais humano e comunitário. Afasta-se do darwinismo corporativo impiedoso para sugerir que a verdadeira força da economia e da sociedade coreanas não reside nos seus gigantes impessoais, mas na resiliência, na solidariedade e no calor humano das suas empresas mais pequenas. É um poderoso lembrete de que em tempos de crise, a comunidade pode ser o ativo mais valioso.

Recriar uma Época

A construção do mundo de A Família Typhoon é o resultado de uma visão criativa meticulosa que procura equilibrar a autenticidade histórica com um tom emocional específico. A argumentista, Jang Hyun-sook, encontrou a inspiração inicial nas anedotas humorísticas que os seus superiores lhe contavam sobre os seus dias como vendedores numa era anterior aos telemóveis. Essa origem anedótica e humana marcou o tom de toda a série. O objetivo principal da argumentista não era documentar o desespero, mas transmitir “calor” e o conceito coreano de jeong, um termo que descreve uma ligação profunda e afetuosa entre as pessoas. Jang Hyun-sook declarou explicitamente que A Família Typhoon é uma história sobre “a esperança e o amor”, não sobre “o desespero ou a tristeza”.

Essa visão foi partilhada e executada pela realizadora Lee Na-jeong, cuja abordagem se focou numa autenticidade rigorosa sem sacrificar o tom otimista. A equipa de realização levou a cabo uma pesquisa exaustiva, entrevistando antigos funcionários de escritório e de empresas comerciais da época para capturar a essência da sua experiência. Descobriram que, apesar da dureza daqueles anos, as pessoas se lembravam de como “superaram as dificuldades juntos e nunca perderam o ânimo”. Para materializar esta autenticidade, a produção chegou a procurar adereços da época em museus e recriou fielmente os espaços de trabalho, mas sempre com o objetivo de lhes infundir uma “sensação calorosa e amável”.

A atenção aos detalhes é evidente no design de produção. A moda dos anos 90 foi meticulosamente recriada, desde os casacos de cabedal e a tendência do “ganga sobre ganga” até aos penteados característicos como o “corte com madeixas” que o protagonista usa. O compromisso foi tal que o próprio ator Lee Jun-ho investiu fundos pessoais para adquirir guarda-roupa que considerava autêntico para a sua personagem. A reconstrução de locais icónicos como a Rodeo Drive em Apgujeong e o uso de cenários realistas permitiram que os atores mergulhassem completamente na atmosfera de 1997, fazendo com que as cenas parecessem quase material de arquivo.

Esta abordagem criativa representa uma evolução significativa na forma como a cultura sul-coreana processa os seus traumas nacionais. Enquanto as primeiras respostas artísticas a uma crise se costumam focar na dor e na culpa — como o tom de thriller político do filme Default (2018), que também aborda a crise do FMI —, A Família Typhoon opta conscientemente por um caminho diferente. Ao enquadrar uma história de dificuldades económicas através do calor, do humor e da esperança, a série passa de simplesmente processar o evento a canonizar a resposta humana a esse evento. O foco não está na mecânica da crise, mas no espírito indomável de quem a viveu. Desse modo, a série transforma uma memória de dificuldade e vergonha nacional num mito fundador sobre o caráter coreano: resiliente, comunitário e eternamente esperançoso. É uma forma de cura cultural que ressignifica um passado doloroso como fonte de orgulho e força coletiva.

Uma Mensagem de Encorajamento para Tempos Incertos

Na sua essência, A Família Typhoon transcende o rótulo de drama de época para se tornar uma fábula contemporânea com uma mensagem clara e direta para a audiência atual. A série estabelece uma ponte deliberada entre o “amanhã incerto” de 1997 e os desafios que a sociedade global enfrenta no presente. É uma história que, segundo o seu elenco e criadores, procura ressoar universalmente.

Esse propósito é articulado de maneira mais eloquente através das palavras dos seus protagonistas, que assumiram o papel de embaixadores da mensagem de encorajamento da série. Lee Jun-ho expressou o seu desejo de “enviar palavras de ânimo a todos os que vivem um presente feroz… Espero que este drama se torne um pequeno consolo e estímulo”. A sua mensagem ressalta a intenção da série de oferecer um refúgio emocional, um lembrete de que a perseverança é possível. Kim Min-ha complementa esta ideia com uma nota de esperança profundamente pessoal e comovente: “Quando te sentes realmente no escuro e sentes que não estás a avançar, se olhares à tua volta haverá sempre pelo menos uma luz ténue… não estás sozinho”. Estas declarações não são meras promoções; elas encapsulam o núcleo temático da série: a fé na luz que persiste mesmo nos momentos mais escuros.

O tema final de A Família Typhoon é, portanto, o poder perene da ligação humana e da resiliência. É uma história sobre “levantar-se com quem se ama, encontrar força em lugares inesperados”. A narrativa propõe que a solidariedade — seja ela familiar, comunitária ou profissional — é a ferramenta mais eficaz para superar qualquer crise.

A série estreia mundialmente na Netflix a 11 de outubro de 2025.

Partilhar este artigo
Sem comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *