A filha de um governador é raptada pelo seu homem de maior confiança no novo e tenso thriller político da Netflix, As Maldições

As Maldições
Veronica Loop
Veronica Loop
Veronica Loop é a diretora-geral da MCM. É apaixonada por arte, cultura e entretenimento.

O panorama global do streaming recebe uma nova e significativa proposta com a estreia de As Maldições (título original: Las Maldiciones), uma minissérie de produção argentina. Estruturada como um thriller político com profundas bases psicológicas, a narrativa é posta em movimento por uma crise de alto risco: a filha de um governador provincial é raptada num momento decisivo da sua carreira. Este ato de violência torna-se mais complexo pelo momento em que ocorre — coincidindo com uma votação legislativa crucial sobre a exploração de reservas de lítio — e pela identidade do autor: o homem de maior confiança do governador. A série estabelece de imediato um enquadramento onde a traição pessoal e a intriga política são inseparáveis, utilizando uma catástrofe familiar íntima como lente para examinar as influências corruptoras do poder num sentido mais amplo. A escolha do lítio como eixo político é marcadamente contemporânea; este recurso, essencial para a transição global para a energia verde, ancora o drama em realidades geopolíticas e económicas tangíveis, elevando o conflito central para além de um simples artifício de enredo, transformando-o num comentário sobre o controlo de recursos e a soberania nacional. Criada pelo estimado cineasta argentino Daniel Burman, a série posiciona-se como uma exploração tensa da ambição, da lealdade e dos segredos que unem e, por fim, destroem as famílias poderosas.

Arquitetura narrativa e eixos temáticos

Construída como uma minissérie compacta de três episódios, As Maldições emprega uma economia narrativa que prioriza a densidade temática e a profundidade psicológica em detrimento de uma trama expansiva. Este formato condensado exige uma história focada e de alta tensão, onde cada desenvolvimento é crítico para o mistério central. O cerne deste mistério não é o rapto em si, mas os motivos por trás dele, que se revelam enraizados numa conspiração ocultada durante treze anos. Este quadro temporal é fundamental para as ambições temáticas da série, sugerindo que a crise atual é um acerto de contas inevitável por transgressões passadas. A narrativa opera como um thriller de desenvolvimento lento, descascando meticulosamente camadas da história para expor as origens das “maldições” do título. Estas não são aflições sobrenaturais, mas sim os fardos herdados de segredos de família e os legados tóxicos passados entre gerações — o que a série chama de “as maldições da filiação”. O governador, interpretado por Leonardo Sbaraglia, está, portanto, num crisol, forçado a navegar num conflito onde o seu futuro político é colocado contra a vida da sua filha. O seu dilema transcende uma simples escolha entre o dever público e o afeto privado; torna-se um confronto com uma história que ele ajudou a criar, onde as linhas entre aliado e inimigo se dissolveram. A série disseca a própria natureza do poder, questionando os seus limites e expondo os compromissos morais necessários para o alcançar e manter, tudo dentro de uma narrativa bem amarrada que liga cada ação a um passado há muito adormecido e agora violentamente despertado.

As Maldições
As Maldições

Proveniência literária e a arte da adaptação

A série extrai o seu peso narrativo e temático de uma obra significativa da literatura argentina contemporânea, sendo uma adaptação do romance de 2017 Las Maldiciones, de Claudia Piñeiro. Piñeiro é uma das autoras argentinas mais celebradas e traduzidas internacionalmente, uma escritora cuja obra consistentemente mescla as convenções da ficção de género — particularmente o policial e o noir — com uma crítica social e política incisiva. A sua participação fornece à série uma base sólida de prestígio literário e rigor intelectual. Os romances de Piñeiro frequentemente dissecam as hipocrisias e as falhas morais das classes altas e políticas argentinas, explorando temas de corrupção, injustiça sistémica e questões feministas através da estrutura acessível de um thriller. A sua colaboração anterior de sucesso com a Netflix na série O Reino (El Reino), que examinou a interseção da religião evangélica com a ambição política, estabeleceu um precedente para adaptar as suas narrativas complexas e socialmente relevantes para um público global.

Uma decisão chave na adaptação de As Maldições é uma mudança na perspetiva narrativa. O romance original centra-se na personagem de Román Sabaté, um jovem assessor político que serve como ponto de entrada para o mundo do seu chefe carismático e eticamente comprometido, Fernando Rovira. Isto proporciona uma visão externa dos mecanismos corruptores do poder. A série, em contraste, coloca o próprio governador no centro da história, focando o drama no conflito interno do homem que detém o poder. Essa alteração estrutural aproveita a considerável presença de ecrã do ator principal Leonardo Sbaraglia e intensifica os temas centrais da narrativa, forçando o público a habitar a crise moral do decisor, tornando a exploração da escolha, consequência e traição uma experiência mais direta e visceral.

Visão autoral e hibridismo de géneros

A direção criativa de As Maldições é liderada por Daniel Burman, uma figura central no movimento cinematográfico conhecido como o “Novo Cinema Argentino”, que surgiu no final dos anos 1990. A filmografia de Burman, que inclui obras aclamadas internacionalmente como O Abraço Partido (El Abrazo Partido) e Direito de Família (Derecho de Familia), distingue-se pelo seu foco em estudos de personagens íntimos, muitas vezes explorando temas de identidade e família dentro da comunidade judaica de Buenos Aires. A sua participação sinaliza um compromisso com o retrato psicológico subtil. Ele divide as tarefas de realização com Martín Hodara, um cineasta com credenciais estabelecidas no género thriller. Hodara dirigiu anteriormente Leonardo Sbaraglia no tenso drama Neve Negra (Nieve Negra), estabelecendo uma sintonia criativa com o protagonista da série. Esta dupla de realizadores representa uma síntese de sensibilidades artísticas: a capacidade de Burman para o drama íntimo e focado nos personagens é fundida com a experiência de Hodara na construção de suspense e na navegação das mecânicas do género thriller.

Essa síntese reflete-se ainda no ambicioso hibridismo de géneros da série. A produção mistura explicitamente o thriller político com a linguagem estética e temática do western. Essa escolha é ancorada pelo cenário da série, com as filmagens a decorrer nas paisagens áridas e expansivas do norte da Argentina. A cinematografia utiliza essa geografia para evocar a iconografia do western clássico — uma fronteira vasta e moralmente ambígua, onde a lei é frágil e a sobrevivência depende de cálculos impiedosos. Ao transpor uma história contemporânea de corrupção política e conflito de recursos para essa paisagem mítica, a série constrói uma poderosa alegoria moderna. A luta pela mineração de lítio torna-se uma apropriação de terras dos dias de hoje, e a arena política é reimaginada como um território sem lei, onde mitos fundadores são forjados através da violência e da traição.

Ofício cinematográfico e estrutura de produção

As altas ambições artísticas da série são evidentes na montagem de uma equipa técnica de primeira linha. A direção de fotografia é gerida pela dupla condecorada de Rodrigo Pulpeiro e Javier Juliá. Os extensos créditos de Pulpeiro incluem filmes aclamados como A Odisseia dos Tontos (La odisea de los giles). O envolvimento de Juliá é particularmente notável, pois atuou como diretor de fotografia em dois dos filmes argentinos de maior sucesso internacional da última década: a antologia indicada ao Óscar Relatos Selvagens (Relatos Salvajes) e o drama histórico Argentina, 1985. A sua participação conecta As Maldições a uma linhagem de produções argentinas reconhecidas pelo seu ofício visual de classe mundial e sofisticação narrativa, prometendo uma linguagem cinematográfica que é ao mesmo tempo polida e dramaticamente potente.

A banda sonora, composta por Hernán Segret e Nico Cota, fornece a textura auditiva para o drama psicológico que se desenrola. A edição, por Eliane D. Katz e Andrea Kleinman, é crucial para manter a tensão exigida pela estrutura de três partes. A direção de arte de Mariela Rípodas é responsável por criar o mundo visual que apoia a mistura de géneros da série, entre o thriller político moderno e o western clássico. A produção em si é uma colaboração entre a empresa de Daniel Burman, Oficina Burman, e a Cimarrón Cine, ambas operando sob a alçada do grande conglomerado de média espanhol The Mediapro Studio. Essa estrutura exemplifica um modelo predominante na televisão global contemporânea, onde uma história distintamente local, concebida por um autor argentino e adaptada de uma grande autora nacional, é realizada com o apoio financeiro e a infraestrutura de produção de uma grande entidade internacional, garantindo a sua qualidade estética e alcance para um mercado global.

Elenco e dinâmica de personagens

No coração do drama político e familiar está um formidável elenco de atores argentinos. A série é liderada por Leonardo Sbaraglia como o governador em apuros Fernando Rovira. Sbaraglia é um ator de estatura internacional, com uma carreira que abrange tanto o cinema argentino quanto grandes produções em Espanha e em Hollywood, incluindo papéis em Relatos Selvagens e Dor e Glória (Dolor y gloria) de Pedro Almodóvar. A sua presença fornece à série um centro carismático e complexo. Ele é apoiado por um elenco de artistas talentosos, incluindo Gustavo Bassani, que interpreta o assessor de confiança que se torna sequestrador, e Mónica Antonópulos. Alejandra Flechner, uma veterana do palco e do ecrã argentinos, também tem um papel fundamental. A parte crítica da filha sequestrada, Zoe, é interpretada por Francesca Varela. O elenco mais amplo é preenchido por uma lista de respeitados atores secundários, incluindo Osmar Núñez, César Bordón, Nazareno Casero e María Ucedo. A decisão de reunir um leque de talentos tão vasto ressalta o foco da série no drama impulsionado pela atuação. Não é apenas um veículo para uma estrela, mas uma verdadeira peça de conjunto, onde a intrincada teia de conspiração política e história pessoal ganha vida através das interações complexas das suas muitas personagens bem desenhadas.

As Maldições apresenta-se como uma obra meticulosamente elaborada, sintetizando a complexidade narrativa de uma adaptação literária com o suspense tenso de um thriller político e o poder alegórico de um western moderno. Destaca-se como um projeto ambicioso no cenário audiovisual argentino, alavancando o formidável talento criativo do país — das suas figuras literárias e realizadores autorais aos seus diretores de fotografia de classe mundial e atores veteranos — para produzir um drama denso e psicologicamente rico para uma plataforma global. A minissérie de três partes As Maldições está disponível para streaming global na Netflix a partir de 12 de setembro de 2025.

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