Novo documentário da Netflix narra como uma piada viral se tornou uma questão de segurança nacional

29/07/2025 3:19 AM EDT
Desastre Total: Invasão da Área 51 - Netflix
Desastre Total: Invasão da Área 51 - Netflix

Um novo documentário narra a história, mais estranha que a ficção, de como uma publicação satírica nas redes sociais se transformou numa manchete nacional, num evento monitorizado pelo governo e num fiasco logístico no deserto do Nevada. O filme é apresentado como o capítulo final de Desastre Total, uma série antológica de oito partes da Netflix que examina eventos da vida real, desde festivais falhados a colapsos empresariais, que escalaram para o caos público. O documentário de duas partes, intitulado Desastre Total: Invasão da Área 51, desconstrói o fenómeno da internet de 2019 que viu milhões de pessoas comprometerem-se a invadir uma base militar ultrassecreta dos Estados Unidos. Ao posicionar esta história como o seu final, a série enquadra o evento da Área 51 como um estudo de caso por excelência de um desastre singular do século XXI, alimentado pela cultura digital e pela sua colisão com a realidade tangível. A narrativa explora como uma piada publicada online forçou uma resposta da Força Aérea dos EUA e do FBI, criando um momento em que as linhas entre a ironia e a ameaça genuína se tornaram perigosamente ténues.

A anatomia de um fenómeno viral

A narrativa do documentário começa por rastrear o evento até à sua origem precisa, identificando o criador e os ingredientes culturais específicos que alimentaram a sua propagação sem precedentes. O filme foca-se em Matty Roberts, que em junho de 2019 era um estudante universitário de 20 anos que trabalhava num quiosque de cigarros eletrónicos dentro do centro comercial Valley Plaza em Bakersfield, Califórnia. A 27 de junho de 2019, Roberts criou um evento público no Facebook com o título impassível: “Storm Area 51, They Can’t Stop All of Us” (Invadir a Área 51, Eles não nos podem parar a todos). O documentário estabelece que as suas intenções eram puramente cómicas; ele considerava a publicação um “shitpost”, uma forma de conteúdo irónico e de baixo esforço concebido para o humor. O filme nota que a ideia surgiu de uma pergunta satírica que Roberts colocou online sobre o que aconteceria se todos os “tolos da internet” convergissem para a base e se os militares “disparariam sobre toda a gente”. Mais tarde, descreveu o conceito como uma “ideia hilariante”.

O filme não apresenta isto como um ato aleatório de humor na internet. Em vez disso, desconstrói cuidadosamente o ecossistema cultural que tornou a piada tão potente. A narrativa aponta a inspiração de Roberts para um artefacto cultural específico: um episódio do podcast The Joe Rogan Experience de 20 de junho de 2019, que contou com o teórico da conspiração da Área 51, Bob Lazar, e o cineasta Jeremy Corbell. Esta ligação ilustra como as plataformas de comunicação social de massas podem amplificar subculturas de nicho, fornecendo um terreno fértil para as ideias se enraizarem. O documentário explica ainda que a estrutura da piada foi construída sobre memes de internet participativos e preexistentes. O plano, conforme descrito na página do evento, sugeria que os participantes corressem “à Naruto” — um estilo de corrida distinto, com os braços para trás, de um popular anime japonês — com base na teoria satírica de que se poderiam mover “mais rápido do que as balas deles” para “ver os extraterrestres”. Ao detalhar estes elementos específicos, o filme argumenta que o evento não foi um acaso, mas um resultado previsível, embora extremo, de uma convergência particular de subculturas online, lendas conspiratórias e humor baseado em memes que ganharam visibilidade no mainstream.

Desastre Total: Invasão da Área 51 - Netflix
Desastre Total: Invasão da Área 51 – Netflix

Do meme a uma questão de segurança de Estado

O documentário vira-se então para o ponto de viragem crítico, onde a piada online rompeu a barreira digital e se tornou uma preocupação séria para as autoridades federais. Esta secção da narrativa narra a perda de controlo, tanto para Roberts, que viu a sua criação satírica ganhar vida própria, como para as agências governamentais encarregadas de avaliar a ameaça potencial. O filme traça o crescimento explosivo do evento, à medida que o número de pessoas que se marcaram como “a ir” ou “interessadas” na página do Facebook cresceu de milhares para mais de 3,5 milhões combinados.

Esta escalada viral desencadeou uma resposta formal do governo dos EUA. O documentário apresenta as reações oficiais, que contrastavam fortemente com o tom irónico da comunidade online. A Força Aérea dos EUA emitiu avisos públicos, afirmando que a Área 51 era um campo de treino ativo e que qualquer tentativa de invadir a instalação seria recebida com a força apropriada. Nos bastidores, a situação foi tratada com maior seriedade. O FBI começou a monitorizar a atividade online, e a Administração Federal de Aviação tomou a medida de restringir o espaço aéreo sobre a área nos dias que antecederam o evento planeado.

Para fornecer uma perspetiva fundamentada do lado oficial da crise, o filme apresenta entrevistas com figuras-chave que foram responsáveis por gerir a situação. Estas incluem o Coronel Cavan Craddock, que na época era o comandante da 99ª Ala da Base Aérea que apoia o Campo de Testes e Treino de Nevada, и Chris Tomaino, então capitão do Centro de Contraterrorismo do Sul do Nevada. O testemunho deles revela um mundo de avaliação literal de ameaças a colidir com uma cultura da internet que eles lutavam para compreender. O documentário destaca a sua consternação profissional, particularmente quando as autoridades locais do Condado de Lincoln concederam uma licença para a realização de um festival associado ao evento. Tomaino refere-se a estas autoridades como “patuscos locais”, e Craddock observa que os funcionários do condado estavam habituados a lidar com crimes rurais menores, como “o roubo de uma vaca”, e não com o desafio logístico e de segurança de uma potencial reunião em massa alimentada por um meme global. Esta justaposição narrativa do mundo online, a operar em camadas de ironia, e do aparelho de segurança nacional, que deve levar cada ameaça a sério, cria a tensão central do filme.

Um elenco de personagens no deserto

Para contar esta história multifacetada, Desastre Total: Invasão da Área 51 vai além da linha do tempo dos eventos para se focar no elemento humano, construindo a sua narrativa em torno de um elenco diversificado de personagens cujas vidas se cruzaram no deserto do Nevada. O documentário apresenta uma série de histórias de interesse humano convincentes, transformando o fenómeno abstrato da internet numa série de dramas pessoais.

No centro está o arco de Matty Roberts, que é retratado como um aprendiz de feiticeiro moderno. Ele começa como um brincalhão que desencadeou uma força que não podia controlar e evolui para um organizador profundamente preocupado, sobrecarregado com as potenciais consequências no mundo real da sua piada. O filme destaca a sua ansiedade crescente e profunda falta de recursos, observando que, à medida que o evento se tornava uma notícia global, ele tinha menos de 1.000 dólares na sua conta bancária. A sua jornada culmina no medo de que estivesse inadvertidamente a criar um “FyreFest 2.0”, uma referência ao festival de música notoriamente desastroso de 2017, que também começou com um imenso hype online.

Outra figura central é Connie West, a proprietária do Little A’Le’Inn, o único estabelecimento comercial na pequena e remota cidade de Rachel, Nevada, o povoado mais próximo da Área 51. A sua história é a de uma pequena empresária que inicialmente viu uma oportunidade, mas foi rapidamente sobrecarregada pelo pesadelo logístico de sediar um festival improvisado numa cidade com praticamente nenhuma infraestrutura. A narrativa é ainda povoada por uma “vasta gama” de participantes que representam a manifestação física da cultura da internet. Estes incluem caçadores de OVNIs, YouTubers e criadores de memes com alcunhas online como Reckless Ben, Rackaracka e Unicole Unicron, todos os quais desceram ao deserto por uma variedade de razões, desde a crença genuína até ao desejo por conteúdo e comunidade. Finalmente, o filme apresenta figuras locais como o Comissário do Condado de Lincoln, Varlin Higbee, que é apresentado com um chapéu de cowboy, colete e um bigode em ferradura que o documentário enquadra como um sublinhado da divisão cultural.

Alienstock: A anatomia de um fiasco

Uma parte significativa do documentário é dedicada à história do festival Alienstock, que serve como um microcosmo de todo o fenómeno da invasão da Área 51 e do “desastre total” tangível do título do filme. A narrativa detalha o plano ambicioso de realizar um festival de música e artes de quatro dias em Rachel para coincidir com a data da suposta invasão. Esta subtrama torna-se a metáfora central para o tema principal do projeto: o fracasso caótico e muitas vezes desastroso de traduzir o hype digital num evento funcional no mundo real.

O documentário narra a aliança instável entre Matty Roberts e Connie West, que rapidamente se transformou numa briga pública sobre a organização, finanças e segurança do festival. Este conflito representa o choque fundamental entre o mundo leve e sem atritos das promessas online e a realidade pesada e cheia de atritos de licenças, segurança, saneamento e logística. O filme destaca as impressionantes impossibilidades logísticas do plano: realizar um grande evento numa cidade desértica remota com apenas um restaurante, dez quartos de motel e o posto de gasolina mais próximo a 72 quilómetros de distância.

A narrativa segue a decisão final de Roberts de se dissociar publicamente do Alienstock, citando uma “falta de infraestrutura, planeamento deficiente, gestão de riscos e desrespeito flagrante pela segurança” dos participantes. Ele e os seus parceiros alinharam-se então a um evento concorrente e oficialmente patrocinado, o Bud Light Area 51 Celebration, no centro de Las Vegas. Em resposta, West, que se sentiu sabotada, prometeu publicamente seguir em frente por conta própria, fornecendo à comunicação social provas de depósitos para serviços de segurança e médicos e alegando que já havia vendido 2.400 locais de acampamento. Este conflito fornece ao documentário a sua evidência mais direta de como uma ideia concebida como uma piada online criou risco financeiro real, responsabilidade legal e animosidade interpessoal.

O clímax e as consequências

O clímax do filme retrata a realidade da “invasão” em 20 de setembro de 2019, que se revelou um contraste gritante e irónico com os milhões que se haviam envolvido com o evento online. O documentário mostra que, no dia designado, apenas cerca de 150 pessoas realmente se reuniram nos portões da Área 51, e nenhuma tentativa organizada foi feita para entrar no local. A invasão ameaçadora que havia desencadeado uma resposta de segurança nacional transformou-se em algo totalmente diferente: uma pequena reunião comemorativa com uma atmosfera de festival, onde os participantes fantasiados se misturavam e documentavam um momento cultural partilhado. O fim de semana resultou em apenas algumas detenções por infrações menores, incluindo atentado ao pudor, um incidente relacionado com álcool e invasão de propriedade.

Embora o evento físico tenha sido um anticlímax, o ato final do documentário foca-se nas consequências muito reais и substanciais da ameaça digital. O filme quantifica as perdas financeiras, revelando que os preparativos e a resposta de segurança custaram ao Condado de Lincoln 250.000 dólares e ao exército dos EUA uma estimativa de 11 milhões de dólares. Num momento de profunda ironia, o filme observa que Matty Roberts, o criador do fenómeno multimilionário, ganhou pessoalmente apenas 1.700 dólares com a venda de t-shirts. A narrativa também acompanha as consequências legais, que se estenderam muito depois de as multidões partirem, culminando num processo judicial em que Connie West recebeu mais de 3,4 milhões de dólares em sentenças por danos que incluíam difamação e interferência intencional em relações contratuais. O filme observa a postura desafiadora dos parceiros de Roberts, que indicaram que West nunca receberia o dinheiro. A conclusão do documentário é que o verdadeiro “desastre total” não foi o fracasso da invasão em se materializar, mas o sucesso do meme em gerar uma perturbação massiva, cara e legalmente complexa, baseada inteiramente numa ficção coletiva. A simulação do evento provou ter consequências mais potentes no mundo real do que o próprio evento.

A documentar a era digital

Desastre Total: Invasão da Área 51 é realizado por Jack Macinnes e produzido pelas empresas RAW e BBH, com Alex Marengo como produtor executivo e Ben Rumney como produtor da série. O filme mistura humor com tensão, usando imagens de arquivo, clipes de vídeos virais, entrevistas surreais e filmagens das multidões reunidas no deserto para criar o que apresenta como a “história definitiva da internet”. Funciona como uma crónica definitiva de um momento em que a fronteira entre a fantasia digital e a realidade física convergiu, com resultados significativos e caros, no meio do deserto do Nevada.

Desastre Total: Invasão da Área 51 estreia hoje, 29 de julho de 2025, exclusivamente na Netflix.

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